O Amante de Porfíria

Chegou ligeira a chuva à noite,
         E alçou-se o triste vento,
Que os elmos pune com seu açoite
         E vexa o lago em descontento:
         Eu escutava em desalento.

Foi quando entrou Porfíria,
         Ajoelhada e gentil;
Aqueceu o chalé com o fogo       
        
 E enfim sentou-se ao meu lado
         E me chamou. Quando o chamado
Não respondeu, o meu braço colocou
         Em seu quadril, o ombro nu,
         E espalhou seu louro cabelo,
Murmurando que me amava —
         Tão fraca, queria somente
Livrar do peito, que lutava,
         O vão orgulho que sente,
         E entregar-se a mim eternamente.
E às vezes a paixão domina,
         E o festim desta noite bela
Não freia a ideia repentina
         De alguém tão necessitado do amor dela.

Certo é que em seu olhos eu olhava
         Feliz e orgulhoso; pois vi
Que Porfíria me idolatrava.
         Com o choque, a agitação senti,
        Ela crescia, e eu decidi.
Perfeita e pura: naquele momento,
         Pois ela era minha, minha só,
E o seu cabelo, em meu intento
         Passei numa áurea linha
         Três vezes por sua garganta,
E a estrangulei. Foi indolor;
         Foi indolor, disso estou certo.
Como uma abelha presa em flor,
         Abri os olhos azuis de perto:
         E riram, puros e abertos.
         Eu ergui-a como costumava,
         Só que meu ombro segurava
Sua cabeça ainda pendente.
         Feliz com o desejo cumprido,
A sua fronte rósea e sorridente,
         Que o que desprezava é passado,
         E eu, seu amor, constatado!

O amor de Porfíria: insciente
         De sua vontade realizada.
E assim, sentados juntos,
         Eis-nos quietos na madrugada,
         E ainda Deus não disse nada!


Robert Browning (1836)

Traduzido e editado.

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