Eu não não voto

Costumo dizer aos meus amigos: “eu não não voto, eu voto na abstenção”.

Oiço de tudo:

 - “Irresponsável, devias era pagar uma multa!”
- “É por tua culpa que estes patetas estão no executivo!”
- “Só estás a deixar que decidam por ti!”
- “Não percebes que não votares torna os votos dos outros mais fortes?”

E a melhor:
- “Pelo menos vai votar em branco!”

Enfim.

A verdade é que a abstenção não é necessariamente uma omissão. As omissões por vezes têm valor, como um crime de comissão por omissão, por exemplo, em que um nadador salvador não cumpre o seu dever de prestar auxílio a um banhista - que se afoga -, por ainda não ter feito a digestão.
Ora, o Rui pode não votar porque vai fazer surf à Costa da Caparica, mas o Daniel não vota porque quer algo melhor para o seu país.

Querem crucificar-me por querer algo melhor?!

“Mas… desce à terra homem! Vivemos neste regime e tens de cumprir o teu dever de cidadão!”

E se os mais grandiosos povos não tivessem desafiado o pouco que tinham? Os Norte-Americanos em 1775? Os Franceses em 1789? Os Finlandeses em 1918?

Eu cumpro o meu dever de cidadão ao seguir cegamente o que acredito ser melhor para o meu país: não legitimar um regime que pouco ou nada nos trouxe nos últimos quarenta anos.

Não é resignação.
Não é protesto.
É ambição patriótica!
 ___

A abstenção dispararia se tivesse garantidamente o efeito de que falo.

Nas legislativas de 2015, a coligação obteve 39% dos votos dos votantes, mas apenas 19% dos votos de todos os Portugueses, uma vez que mais de 4 milhões não votaram. 19 por cento. Menos de 2 Portugueses em 10 votaram no partido (coligação) vencedor(a).
___

Este texto parte de uma premissa fundamental: nenhum partido tem solução, portanto nenhum é a solução.

Está na altura de repensar o nosso sistema político. E o repensar pressupõe a existência de condições para mudar, e é com tristeza que constato que estas nunca se poderão reunir por intermédio
de um partido,
do nosso parlamento,
deste regime
.

Soluções? Há tantas hipóteses (que passam, a meu ver, por tentar mitigar o espírito partidário e de facção: desconcentração do poder legislativo da AR, criação de uma câmara dos lordes, conferir poderes efectivos ao PR, círculos eleitorais uninominais, percentagem obrigatória de ministros independentes/técnicos, etc) mas, como diz o outro, isso são outros trezentos.

Para já, voto na abstenção. E desejo ardentemente que continue a subir, até que um governo não consiga a legitimação de mais de 8, 9, 10% dos Portugueses; pode ser que aí, a tal válvula de escape no nosso sistema constitucional se torne numa realidade. Traço um paralelismo com o número 11 do art.º 115 da Constituição, que estatui que o referendo só tem efeito vinculativo quando o número de votantes for superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento. Era disto que precisávamos para boicotar um sistema político viciado, asfixiante e canceroso para, aí sim, desenhar algo melhor.

Comentários

  1. Bom ponto de vista, mas não percebo até que ponto a abstenção é o melhor remédio para que toda a mudança aconteça. Ok que poderá ser uma forma de dar início a essa mesma mudança, mas será a forma certa de se iniciar tal processo? Afinal, determinados partidos políticos podem estar mais propensos para facilitar a mudança, ao passo que outros talvez até a atrasem...

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  2. O texto parte do princípio de que nenhum partido poderá alterar o rumo porque o problema começa precisamente na partidocracia. Há outras formas de se alcançar o pluralismo sem ter o tal espírito de facção a corromper e atrasar o processo legislativo...

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  3. Mi hermano,
    Gostei da redacção, eu nunca ouvira semelhante argumento. Entendo também as palavras de Magalhães. Ora, a abstenção pode, por supuesto, ser utilizado como forma de grito de apelo à nação, a virar o paradigma a 135º. Destacam-se então dois puntos:
    1) A abstenção pelo país pelo qual me apaixonei na minha juventude, Portugal, não se deve, na sua maioria, a Danieis Cohens, mas a personas como o Rui a surfar na Caparica. É uma infelicidade, mas neste momento a abstenção não predomina como protesto, mas como indiferença. Qual a cura? Comunicação verdadeira e objectiva do que se trata tudo isto; em particular, implementação de estudos políticos nas escolas. Os jovens adultos (não só de Portugal, mas de España também e de vários países) não estão formados neste nível, e então tornam-se indiferentes, ou escondem-se por detrás de ideias feitas ou tradições familiares. Tradición, solo los toros! - dizia meu pai.
    2) A Abstenção por si só não desenvolve. Os políticos serão sempre os mesmos, haverá sempre interesses, nem que seja o interesse bastante honesto de se querer angariar votos para votações... É preciso mais acção, penso, pero não sei de que forma...
    Ora, abster, a médio/longo prazo, pode ser uma aposta decente. Mas a curto prazo também se remedia o longo prazo: não estará o actual PM a atrasar o sistema ainda mais? São precisos também os votos... Abrazos,

    El Piriquito Misterio

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