Controlo na Vida

        Não passo de um leigo, mas tenho vindo a ler livros e artigos que me afinam o sentido crítico. Por exemplo, tenho reflectido no possível exagero que impomos na necessidade de controlo nas nossas vidas. Sabemos que quem ambiciona uma vida boa tende a planear o seu futuro e a seguir os passos necessários que permitam cumprir os objectivos puros e duros com que se compromete a atingir, como jogador que cria o seu próprio jogo.
      Isto parece muito giro e em alguns casos até poético, veja-se na forma como se enaltecem os grandes homens da história: como crescem, como lutam contra as adversidades, como se tornam lendas e exemplos de tenacidade, coragem e superação, rumo aos sonhos primeiros.
      Sei ainda que na rotina sou bombardeado com mensagens que me alteram a noção de felicidade e por isso já nem sei a quantas ando. Em consequência disso, não só tenho procurado a verdadeira acepção deste conceito como me tenho perguntado se este é de facto tão importante assim - não estará sobrevalorizado nos nossos dias? É estranho todo o ênfase que as aprimoradas técnicas de persuasão põem no mesmo desde o século passado. 
      Enfim, ter a ambição de ser feliz à medida que me questiono quanto à qualidade e valor da felicidade leva-me cair na dúvida, dúvida essa que me ajuda (julgo eu) a crescer.
      Para começar, no conhecimento comum temos a Felicidade como fim necessário. Temos por consequência as várias alternativas (que são talvez infinitas) que nos levam até Ela, umas mais profundas, outras mais superficiais. Apercebi-me que, para me debruçar sob qualquer alternativa, teria que desenvolver algum nível de controlo.
      Assim, julguei por bastante tempo que controlando a minha vida me manteria feliz, pois ao tomar as rédeas tudo se definiria como eu sonhava – talvez o leitor se identifique com a boa sensação que existe quando o fazemos. Mas eis que há um momento em que começo a questionar-me quanto à incerteza, quanto ao que não percepciono aqui e agora e até relativamente à morte. É claramente impossível ter controlo sobre tudo o me surge porque a vida não é, como me parece óbvio, tão objectiva assim.
      Um alguém que perde um ente querido ou que é despedido de um trabalho que tanto o dignifica ou que se depara com uma doença terminal...de repente a vida foge-lhe do controlo. 
      Mas, se aqui falo de acontecimentos menos felizes, julgo que também posso mencionar outros de teor feliz, que surgem quando deixamos de querer controlar com tanto afinco as nossas vidas. Mas não importa agora catalogá-los de felizes ou de infelizes, importa identificá-los como acontecimentos que ocorrem ao longo de uma vida, onde o controlo é mais ou menos acentuado, dependendo das alturas e de cada caso, mas onde a falta de controlo leva - em alguns casos - a um crescimento interior muito grande.
      Alguns mestres Zen nos seus livros que de forma frequente se tornam bestsellers defendem que devemos viver como os animaizinhos e as árvores. Mas volto a questionar-me como é possível viver-se assim no atarefado mundo de hoje em dia, onde tudo o que fazemos é muito pouco parecido com a vida de uma vaca ou de uma árvore no topo da montanha. Li e reli alguns autores, tentei antes aprofundar a minha fé Católica, tentei falar com este ou aquele até que olhei para a humanidade como ela é.
      Ora, o que nos diferencia dos animais é o sermos racionais e é talvez aqui que reside a questão. Com a razão veio a consciencialização da morte. Os animais ao depararem-se com situações em que a morte se encontra perto, eles lutam para que esta se afaste rapidamente, com uma relutante inimizade à mesma ainda que não a compreendam o que ela é. Mas o ser humano sabe toda a vida que a morte o espera a qualquer momento e daí resulta uma constante sensação de desconforto por não compreender o que se lhe é exposto. Por outro lado, a razão também permite sentir satisfação perante a compreensão de algo, o que talvez explique a necessidade do Homem em procurar experiências místicas onde a sensação de compreensão (mais que a verdadeira compreensão) é obtida.
      Estas experiências místicas trazem respostas às dúvidas para as quais o ser humano não encontra resposta, mais especificamente em relação à existência. E, ainda que muitas vezes forjadas, acalmam a ansiedade de todos os que, desesperadamente, nelas encontram sentido. 
      Mas o interessante é que também os animais têm necessidade de controlo. Um animal exposto a uma situação que lhe foge do controlo actua de forma desesperada, o seu corpo reage automaticamente pois os instintos de sobrevivência são activados. A verdade é que, do ponto de vista evolucionista, ao existir uma sensação de controlo sobre o ambiente, parece óbvio que há mais chances de sobrevivência. Mas para o Homem a razão veio acentuar a insegurança que provém da falta de controlo precisamente por causa da problemática da existência, pelo que a necessidade de controlo é maior e mais profunda que a dos animais.
     O medo é uma das formas básicas de intensificar a sensação de que o controlo foge e é por isso constantemente utilizado como ferramenta em campanhas políticas, razão pela qual os mestres da persuasão criam aquilo a que qualquer psicólogo conhece por dissonância cognitiva, onde o controlo desejado se encontra distante do individuo a quem se dirigem. 

      A depressão resulta da falta ou do excesso de controlo: 
1- Se existe pouca sensação de controlo a pessoa pára de fazer coisas que a ajudem a melhorar a sua situação;
2- Se existe uma sensação de controlo excessiva a pessoa acaba por se sentir culpada por coisas pelas quais não tem de facto controlo e a depressão pode também acontecer.

      Enfim, chego à ideia de que tudo na nossa vida reside nesta questão: é, por um lado, o nível de controlo adequado para as diferentes situações, por outro a aceitação que pomos nos episódios que se nos deparam e para os quais não podemos ou não devemos ter controlo. É nesta gestão inteligente (entre o controlar e o aceitar) que julgo estar o cerne de uma vida bem vivida.

Do vosso irmão,
Odis Cohen

Comentários

  1. Enriqueçam a minha visão sobre as coisas com comentários construtivos, pois é em nome da Verdade que nós, Cohen, subsistimos!

    ResponderEliminar
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderEliminar
  3. Caro Odisseu,

    O tema é muito interessante. Pressupõem que de alguma maneira o leitor já tenha tido uma sensação de descontrolo na sua vida e que, talvez, tenha reagido com uma tomada absoluta de controlo desenhando uma vida pensada, idealizada e esquematizada. Pressupõem até que se tenha desiludido com essa vida forjada. O contraste com a mensagem vendida socialmente de receitas para a felicidade vendidas a todos por igual é muito verdadeiro pois, embora esta tenha uma capacidade verdadeiramente alienante e convincente, nunca é possível ser integrada, de forma absoluta, na vida concreta o que cria uma sensação de frustração.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Caro Neto,

      Concordo com a sua observação. Acima de tudo nunca hevemos de ter um conhecimento definitivo sobre as coisas. Andamos sempre a aprender e a desaprender.

      E, de facto o que diz relativamente à Felicidade, encontra-se de facto espelhado na opiniao que tenho das coisas...

      Eliminar
  4. Tenho de concordar, acima de tudo, com o parágrafo final.

    Entre ambas dicotomias, quem me conhece sabe que optei por uma vida controlada e previsível, qual carteira de investimentos em obrigações do tesouro, com os pés bem assentes no chão e a agenda bem firme nos braços.

    Tenho planos e objectivos a curto, médio e longo prazo que atingo com sentido de dever cumprido. Tenho rotinas diárias, semanais e mensais que sigo religiosamente. Quase nada deixo ao acaso.

    E a minha enorme felicidade neste registo é directamente proporcional ao gigantesco abanão que leva o meu Mundo quando algo de muito mau me acontece inesperadamente. Há pessoas que sonham com mudanças radicais que lhes virem as patas para o ar. No meu caso, é o meu maior pesadelo!

    É duro, mas é assim. Já fiz experiências, já pensei e repensei... Concluí que é o único estilo de vida que sei levar. E levá-lo-ei até ao fim!

    Já dizia o outro: "Serenidade para aceitar o que não podemos mudar, Coragem para mudar o que podemos, Sabedoria para saber a diferença".

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. obrigado pelo seu testemunho bem como pela opinião expressa.

      Para isso tenho a lembrá-lo de um filme que o vi precisamente consigo num cinema para lá de sol posto: Mr Nobody. Um filme bonito sem preciosismos, com uma mensagem que a recebemos de forma complicada, mas que no fim se torna simples.

      Admiro a sua determinação, mas (e desculpe-me o atrevimento) duvido que consiga levar "até ao fim" esse desejo de controlo...

      Quanto à citação do outro, obrigado, porque enriquece o texto em grande escala.

      Eliminar
    2. Fantastico filme, que mostra precisamente como o destino pode ser tão facilmente adulterado pelo mais insignificante dos eventos na vida de alguém.

      Eliminar
  5. Deparei-me hoje com a seguinte frase:

    "Don't let excellent get in the way of good".

    Lembrou-me deste texto na medida em que a necessidade de aperfeiçoar - traçando um paralelismo com a vontade de controlar - se pode tornar num obstáculo, afectando o rendimento do seu portador.

    Talvez às vezes, tal como devemos aceitar pacificamente que a aleatoriedade do universo não nos permite alterar tudo, se ganhe mais em perceber que não podemos melhorar algo que já se encontra completo.

    ResponderEliminar
  6. Boa noite Odisseu,

    Leio este "pensamento" (se é que se pode chamar pensamento a uma estructura de cognição como esta, onde o pensar fugitivo não tem lugar) que me faz questionar. Não há muitos que se cultivam no positivismo, cerne da Humanidade, que referiu e muito bem, onde o Ser encontra o seu deleite, contudo, onde também manifesta o maior dos desconsolos: o incontrolado. Pergunto-me, no entanto; Será o descontrolo tanto maior nas mãos do controlado ou o controlo nas mãos do descontrolado?

    Obrigado e parabéns pela crítica.
    SMM

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares