"A minha verdade é melhor que a tua"

Não raramente discute-se os temas desta vida com amigos ou conhecidos. Resta, no entanto, um lado da moeda menos gratificante e até pobre deste tipo de conversas muito banalizadas.
Numa discussão, o saber intelectual leva muitas vezes à intervenção egocêntrica no sentido literal da palavra, onde o objectivo único passa a ser o da valorização pessoal em lugar de um enriquecer do conhecimento quanto a um tema específico. Neste tipo de conversa destaca-se acima de tudo a forma como se expressa, a qualidade dos argumentos, a capacidade de referir certos autores e por aí adiante.

Para quê esta competitividade se há, a meu ver, algo mais importante que o reconhecimento ou a validação dos outros? – Pessoalmente, prefiro abster-me de dar azo à conversa intelectual assim que seja óbvia essa guerra de palavras, não me perdendo na eloquência de alguns se todo o seu esforço consiste numa fachada para um alimentar de egos.

A dúvida como forma de crescimento
Todos nós temos bloqueios mentais e será provavelmente no sentido de trabalhá-los que residirá o caminho para o crescimento, pois presumo que, ao fazê-lo, encontrar-se-á um outro lado do bloqueio até aí desconhecido que trará possíveis melhorias à vida. Como me parece lógico, há barreiras que são úteis para não cairmos em caminhos indesejados, sendo porém aí que surge a dúvida essencial: o que devo manter como barreira e o que devo destituir? Há quem tenha medo da dúvida, aceitando as barreiras criadas pelo grupo social a que se pertence, mas duvidar é factor intrínseco do crescimento: quem não duvida não procura, não caminha e, por conclusão, estagna. Quem tem verdades últimas para proclamar é porque está provavelmente estagnado e tudo o que tem para oferecer é conhecimento baseado na razão e pouco de experiência. Afinal, é possível não se pensar e ainda assim existir.

Confiamos muito na razão talvez por crermos desde pequenos no enchimento: de experiências, de conhecimentos, de bens-materiais, de pessoas, de sentimentos, de ambições, de ideais...necessitamos dos famosos “passa-tempos”, como se o existir por si só consistisse numa actividade mal-afortunada. Os próprios livros de auto-ajuda sugerem a ideia de fulfilment como estado de espírito desejado (apesar de não conhecer a fundo em que consiste esta ideia – critico apenas a palavra atribuída).

Partamos do principio que nunca chegaremos à Verdade
No tipo de conversas puramente teóricas discute-se a Verdade e proclama-se por beleza ao discurso que a verdade de um não é mais válida que a do outro, desde que se tenha os argumentos certos. Lá se entra novamente na guerrinha da argumentação.
E quando chegamos – se chegarmos – a um conceito absolutamente verdadeiro, o que se faz com ele? Não passa de um conceito, um conjunto de palavras e por palavras não passam de símbolos e, como símbolos que são, apenas indicam padrões limitados daquilo que a nossa mente (também ela limitada) vai captando da realidade.

Hoje prefiro conversar com alguém simples e conhecer a sua historia de vida, alguém que porventura conheça pouco da teoria defendida pelas personalidades altivas ao longo da historia. É, por um lado, a experiência de quem passou por episódios profundos na vida e, por outro, a falta de preocupação com a sensatez do discurso que gosto nestas pessoas: reais, simples e sinceras.

Pensar que existe uma Verdade última destrói-nos por dentro, por instalar – ao invés de desintegrar – uma imensidade de limitações. Julgar, por exemplo, que nascemos com um propósito na vida enche a nossa mente, torna-nos maiores no sentido ilusório e exclui-nos do sofrimento do vazio, por isso faz sentido que muitos acreditem no destino. Não esporadicamente, aqueles que atingem esse tal fulfilment, esse enchimento egocêntrico, nos píncaros de uma vida onde o orgulho próprio é constante, um sentimento mísero assola afinal a alma pois o tal enchimento nunca poderá ser total: por mais que se tenha é sempre possível ter-se mais e resulta daí a insatisfação, raiz-mãe da vida pobre.
Desta feita, passamos a vida a fugir com medo da noção de vazio, buscando no tal enchimento a cura para os problemas. Eis, portanto, a importância da simplicidade e de aceitarmos o nada, de outra forma a ilusão será provavelmente manifestada tendo como consequência um disfarce ao sofrimento.

Construamos a partir da riqueza do nada, pois o espírito estará aberto à aprendizagem, permitindo o crescimento e a criação saudável.


                                                     
                               

Comentários

  1. Interessante pensamento estoico. Dou por mim, muitas vezes lutando numa discussão por um argumento "melhor", ou antes, argumento melhor para o meu ego, é importante reconhecer isto. Mas confesso que tento não cair nestas discussões de ego. Muito do que aprendi foi através de ver o outro lado da moeda, um pensamento contrário ao meu.

    Nós estamos tão presos aos nossos pensamentos e ideias que é difícil aceitar certas filosofias, e por isso, vamos procurar argumentos contra (para nos encher o ego). De há uns anos até hoje, tenho lentamente quebrado varias barreiras no que diz respeito às minhas crenças, ideias, pensamentos, filosofias. Este desprendimento levou-me a ver com clareza outros pontos de vista, sem que houvesse uma influência do meu círculo social como dantes havia.

    Ainda hoje procuro mais simplicidade no meu modo de vida,

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  2. 1) Como compreendo a sua confidência...

    Acaba por resultar inevitavelmente da convivência social essa desprezível necessidade de se auto-promover camu - ou nem assim tanto - fladamente. Ora, como basta estar aos pares para isto acontecer, sugiro, para além do diálogo com as personagens simples e transparentes que propõe no texto, a cultivação solitária. Muitas das minhas grandes epifanias e conquistas intelectuais foram feitas em transportes públicos, ouvindo uma conversa alheia ou simplesmente observando quem se senta paralelamente a mim.

    2) Embora a forma como tento viver a minha vida se assemelhe muito ao tom existencialista do texto, julgo que falta o elemento reactivo à nossa busca (absurda), a rebelião de que Camus fala. Leiam "O Estrangeiro" se já não o fizeram - é capaz de mudar as vossas vidas.

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